Com exportações restritas pela Cites, a ararajuba (Guaruba guarouba) carrega na plumagem as cores da bandeira brasileira. Foto: Antônio dos Santos/Animalia/Creative Commons
Noticiadas no fim de agosto, as exportações de aves nativas vivas para “fins ornamentais, de conservação em zoológicos e outros usos específicos” aos Emirados Árabes Unidos foram comemoradas pelo Ministério da Agricultura por “diversificar a economia brasileira”.
Conforme a pasta, aquele país movimentou no ano passado o equivalente a quase R$ 200 milhões importando aves originárias de outras regiões globais. “Não se espera um grande volume exportado do Brasil, mas a medida amplia a diversificação da pauta e cria oportunidades comerciais reguladas”, avaliou.
Ainda conforme o ministério comandado por Carlos Fávaro (PSD), a continuidade do acordo comercial só depende das condições sanitárias brasileiras e do cumprimento de normas de defesa agropecuária. “Além disso, todas as exportações devem observar a legislação ambiental em vigor”, destacou.
Exportar espécies ameaçadas só é permitido quando oriundas de criadouros autorizados ou coletadas com licenças, e o comércio deve ser autorizado pela Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção), da qual o Brasil é signatário desde 1975.
Exportar animais ou plantas listadas na Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção) só é permitido quando oriundos de criadouros autorizados ou de coletas licenciadas na natureza. O Brasil é signatário do acordo desde 1975.
Todavia, apesar das ligações óbvias desses negócios com os órgãos ambientais federais, os mesmos não receberam nenhuma consulta formal e souberam pela imprensa que emplumados silvestres poderão ser exportados para a península arábica e, de lá, para outros pontos do planeta.
Departamentos do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) responsáveis pela conservação da fauna tomaram “conhecimento do tema por meio de notícia publicada no site do Ministério da Agricultura”. O mesmo ocorreu com o Ibama, responsável pelos registros comerciais via Cites, apurou ((o))eco.
A reportagem soube desse escanteio nos órgãos ambientais logo após o anúncio pela pasta do agronegócio, mas certos detalhes sobre a relação entre os órgãos federais só chegaram por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Por exemplo, num ofício assinado pelo secretário-executivo João Paulo Capobianco, o MMA pediu toda a documentação envolvida na negociação com os Emirados Árabes e a lista das espécies envolvidas para “análise técnica, registro e acompanhamento pelos órgãos ambientais competentes”.
Contudo, o Ministério da Agricultura respondeu que o acordo foi iniciado em 2018 e tratava apenas de “aspectos sanitários” – o que não exigiria aval ambiental –, e também não apresentou uma lista com as espécies de aves abrangidas pelo arranjo.
Diante do novo drible, a pasta comandada por Marina Silva (Rede) destacou que os órgãos ambientais federais devem ser sempre consultados e integrados previamente em negociações internacionais sobre a fauna silvestre do Brasil.
“Permanecemos avaliando medidas adicionais para assegurar o devido acompanhamento e monitoramento das exportações, de modo a garantir a rastreabilidade, o cumprimento da legislação ambiental e o respeito aos direitos e ao bem-estar animal”, afirmou o MMA.
Biodiversidade como pet de luxo
A deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) avaliou que a exportação de aves nativas vivas traz de volta ao período colonial – de 1530 a 1822 –, quando o país era tratado como “um território exótico a serviço de milionários estrangeiros”.
“A decisão do Ministério da Agricultura ignora qualquer compromisso ambiental e reforça que o agronegócio está mais preocupado com o lucro do que com a proteção animal”, avaliou. “É um retrocesso que envergonha o país”, ressaltou.
Para a parlamentar, a prática pode fomentar atividades ilegais – como o tráfico de vida selvagem e a criação desregrada – e por isso o Brasil deveria investir em tecnologia e inovação e não transformar a biodiversidade em pet de luxo. “É vergonhoso transformar espécies dos nossos biomas em distração”, reclamou.
Diante do cenário ameaçador, a parlamentar vai propor um projeto de lei tentando barrar a exportação de aves silvestres vivas do Brasil. Outras propostas tramitando de Salabert proíbem as vendas de bois e outros animais vivos para abate no Exterior e a debicagem – corte parcial e cauterização – de aves de criação no país todo.
Outro ponto criticado foi a defesa do Ministério da Agricultura de que o comércio regulado ajuda a proteger espécies ameaçadas. “Milhões de animais silvestres são retirados da natureza pelo tráfico, principalmente aves. Ao fortalecer rotas fiscalizadas, o Brasil reduz o espaço para esse mercado paralelo”, avaliou.
Mas o enredo é outro, afirma a bióloga Júlia Trevisan, coordenadora de Campanhas de Vida Silvestre da ong Proteção Animal Mundial. Para ela, falhas na legislação e na fiscalização aumentam o risco de aves capturadas na natureza engrossaram ilegalmente as exportações.
Trevisan lembra que a mudança na entrega de anilhas – do on-line para o presencial – derrubou os recebimentos em mais de 95%, indicando que muitas aves vendidas como legais portavam anilhas falsificadas. “Isso deixa claro que o argumento de que o mercado legal combate o tráfico não se sustenta”, afirmou.
A bióloga lembrou do caso do bicudo (Sporophila maximiliani), pássaro de canto melodioso hoje ameaçado de extinção. “Ele foi caçado e vendido durante anos para viver em gaiolas. Agora, criadores dizem querer preservá-lo, mas foram eles mesmos que ajudaram a quase extingui-lo”, disse.
Ainda segundo a especialista, as espécies mais comercializadas são as mais traficadas, o que leva quem quer pagar menos a evitar os criadouros legalizados. “Defender o comércio nacional ou internacional como forma de conservação parte de um pressuposto errado”, reforçou.
Diante disso tudo, Trevisan defende barrar as exportações, inclusive pelos danos às aves e aos ambientes naturais. “Manter um animal silvestre em gaiola é uma forma de egoísmo”, avaliou. “Esses bichos têm papéis ecológicos essenciais, como dispersar sementes e manter o equilíbrio dos ecossistemas”, lembrou.
No centro dessa disputa que envolve o balanço entre lucro e conservação da biodiversidade, as aves silvestres brasileiras podem acabar virando mais um produto básico de exportação, presas às mesmas gaiolas de sempre.
Fonte/Créditos: Aldem Bourscheit
Créditos (Imagem de capa): Foto: Antônio dos Santos/Animalia/Creative Commons


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