Artigo escrito para a Gazeta do Povo
Em um raro exercício de autocrítica, o STF admitiu pela primeira vez que algumas de suas decisões “atrapalharam” o combate à corrupção no Brasil.
Para ser mais preciso, as palavras vieram do ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente da corte, em palestra na Academia Brasileira de Letras, nesta última terça-feira.
Mencionou especificamente a revisão da jurisprudência que admitia a prisão após condenação em segunda instância, a anulação de condenações por causa da ordem de apresentação de alegações finais de acusados delatores, e a submissão da decisão de afastamento de parlamentar do exercício do mandato à própria casa legislativa.
Poderia acrescentar várias outras decisões, algumas monocráticas, outras colegiadas, do STF e que fizeram o combate à corrupção no Brasil não só arrefecer, mas retroceder pelo menos uma década.
O principal erro judiciário do STF está no Palácio do Planalto.
As condenações de Lula pelos escândalos de corrupção incontestáveis havidos na Petrobras foram exaradas e confirmadas em duas ações penais diferentes e confirmadas em três instâncias de julgamento por diferentes magistrados.
A prisão de Lula para o início da execução da pena contou com a aprovação do próprio STF, quando denegou habeas corpus impetrado pela defesa e através do qual buscava-se impedir a prisão.
Anos depois, em reviravoltas questionáveis, o STF entendeu que as ações penais deveriam ter sido julgadas em Brasília e não em Curitiba, e ainda viu suspeição do juiz (no caso, deste colunista) porque tinha proferido decisões desfavoráveis ao acusado no curso do processo.
Detalhe: ainda que houvesse qualquer vício subjetivo, o que nego, as condenações já haviam sido confirmadas por outros magistrados e em outras instâncias.
Aliás, em uma das condenações, a relativa ao sítio de Atibaia, a sentença de primeira instância não foi nem sequer exarada por mim.
Seguiram-se outras anulações de condenações de outros acusados, sempre por supostos vícios formais ou estendendo os mesmos duvidosos entendimentos a outros casos, usualmente por decisões monocráticas.
Emblemática foi a anulação da condenação do ex-deputado Eduardo Cunha, em processos com provas de pagamento de US$ 1 milhão em conta secreta na Suíça, sob o argumento peculiar de que a competência seria da Justiça Eleitoral.
Respeitamos a Justiça e as instituições, mas as mensagens dadas pelo STF por essas decisões tiveram suas consequências.
O combate à corrupção deixou de fazer parte da agenda nacional.
Os agentes de lei perderam a confiança de que seu trabalho não será desfeito pelos tribunais superiores e que serão protegidos contra retaliações.
O mito de Sísifo bem descreve a sensação atual dos agentes da lei em relação a investigações contra corrupção.
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