No Museu Britânico pode ser admirado um segmento de sequóia em corte transversal, onde é possível correlacionar, na visualização de seus anéis, a idade da árvore com alguns fatos que marcaram a história da humanidade. A seta que aponta um determinado anel informa que quando a sequóia atingiu aquela circunferência Cristóvão Colombo descobria a América. Outra, três voltas depois, correspondia à Revolução Francesa, e assim por diante.
Aplicando a mesma metáfora à própria história do homem e considerando seu início como ser bípede em torno dos 4 milhões de anos, poderíamos colocar essa data como começo dos tempos humanos e ir desenhando círculos excêntricos à sua volta, definindo um período de mil anos para cada linha e um espaço de um centímetro entre cada circunferência. Só para se ter uma idéia da dimensão, esse modelo teria 40 metros de diâmetro.
Cada um desses centímetros representaria a evolução do homem em saltos de mil anos, o que permitiria, portanto, marcar em 25 metros dessa hipotética árvore o início da utilização do fogo pelos hominideos, pois pesquisas com datação de carbono estimam que isso ocorreu há 1 milhão e 500 mil anos. Porem o domínio do fogo pelos humanos é muito mais recente, estimado em torno dos 100 mil anos atrás, o que trás nossa circunferência para meros 39 m, Nessa ordem, os utensílios de barro, com 12 mil anos, estariam na marca de 39 metros e 88 centímetros. Para a civilização, tal como a concebemos, com normas morais, estruturas sociais e políticas baseadas em regras publicadas (difundidas para o público), restariam apenas os 6 centímetros mais superficiais dessa circunferência, o que nos levaria a somente seis mil anos da recente história da humanidade. Para essas afirmações estou me baseando no que se conhece da civilização Suméria, que estima-se ter editado, a partir do ano 4.000 antes de Cristo, vários códigos, dentre eles o mais famoso, o Código de Hamurabi.
Desse modo fica fácil perceber que os tempos humanos têm um número muito maior de anéis relacionados aos instintos básicos de luta e fuga, de sobrevivência e preservação – individual e da espécie, do que àqueles relativos ao comportamento social propriamente dito, ainda carregando, em sua caminhada evolutiva, uma “quantidade” muito menor de condutas de respeito ao outro, de respeito à sociedade, de fraternidade e solidariedade. Se utilizarmos o modelo da árvore como descrito, pode ser apelidado de leve camada de verniz civilizatório.
É uma fina casca de seis centímetros, contrastando com o interior de quase 40 metros de tronco “in natura”, bruto em sua constituição e em sua manifestação.
Tendo por base este modelo, onde as emoções primordiais de medo, ódio e amor são tragadas pela força dos instintos e a eles se misturam em processo de fusão biológica, filogenética e natural, fica evidente que as propostas de repressão (com efetividade imediata) e de educação (longo prazo) para se lidar com a violência atual não são suficientes.
É necessário perceber que a transmissão de conhecimentos na rigidez formal da educação escolar, onde se valoriza o aprendizado objetivo e cognitivo, não pelas suas deficiências, mas justamente pelas condições internas do ser humano, opera somente com os superficiais 6 centímetros do verniz civilizatório, o que representa figurativamente apenas a casca da nossa sequóia, dessa sequóia que nada humildemente utilizo como modelo para nós – humanos.
Por isso não acredito que nem esse processo educacional tradicional, nem o repressivo são capazes de trabalhar com os demais 39 metros e noventa e quatro centímetros, que correspondem, no nosso modelo, a três milhões e novecentos e noventa e quatro mil anos de civilização, período esse que forma e conforma a estrutura psíquica do homem – instintual, racional e emocional, com muito mais força, profundidade e amplitude.
Repressão e educação vão atuar no domínio do racional. Como o instinto não se educa, não se adestra nem se treina de forma permanente, resta o trabalho com as emoções e sentimentos para que se possa, ainda que timidamente, tentar influenciar os milhões de anos submersos pela fina capa do verniz de civilidade. Usar apenas o racional para lidar com a violência vivenciada hoje é como tentar parar uma avalanche com uma placa de madeira.
É necessário que juntamente com a educação, se forneçam instrumentos metodológicos e tecnológicos que permitam a expressão das emoções e dos sentimentos, que possibilitem o desenvolvimento da disciplina, da competitividade sadia e o estímulo à criatividade e ao trabalho em equipe. Dessa forma elementos psíquicos como: fraternidade, solidariedade, igualdade e respeito ao outro podem ser “pescados” dentro do universo de cada um e revelados como ferramentas a serem utilizadas na substituição de uma ética do medo pela ética do amor.
A arte e o esporte são instrumentos de escolha para isso. Tão antigos como o homem, são reconhecidos pelo mundo interno dos indivíduos como produtos de uma cultura pessoal e coletiva, embora não recebam dos governos a devida valorização. Pelo próprio tempo que habitam o homem, a arte e o esporte não podem ser tratados como objetos culturais meramente agregados, mas sim como amigos e conhecidos que merecem abrigo.
Do ponto de vista psíquico só uma emoção pode substituir outra. Não é possível colocar razão onde vive a emoção e vice-versa. O que pode acontecer, como diria Einstein, são eventos simultâneos, onde uma se desenvolve mais que a outra e vai ocupando maior proeminência nos nossos pensamentos e ações. Podemos imaginar que só uma cultura de não violência, de amor, poderá vir a substituir a do ódio e do medo atualmente em vigor.
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