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Conteúdo especial-Infecção ortopédica: saiba mais sobre a doença que pode levar à morte

O ortopedista Mário Soares responde a dúvidas para orientar a população brasileira sobre a patologia, que tem escassez de informações

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Hugo Barreto / Metrópoles

 atualizado 

A infecção ortopédica — seja osteomielite, pseudoartrose ou provocada por próteses de quadril e joelho — pode dificultar e até comprometer a vida de uma pessoa.

Esse foi o caso, por exemplo, do zagueiro Rodrigo Caio, que, na época em que jogava pelo Flamengo, contraiu uma infecção hospitalar durante a recuperação de uma lesão no joelho. O jogador temeu pela própria vida naquele período, como revelou em entrevista ao Globo Esporte. Tal apreensão é justificada, uma vez que as infecções ortopédicas, também chamadas de rejeições, podem resultar em óbitos.

Aliás, a taxa de sobrevida em cinco anos é mais baixa para pacientes com infecção de prótese do que para aqueles com câncer de mama e próstata, de acordo com pesquisa do Journal of Arthroplasty, publicação da Sociedade Americana de Cirurgiões de Quadril e Joelho.

Apesar do grau de seriedade e das consequências, essa patologia não tem a mesma visibilidade que outras doenças, o que dificulta o tratamento e até mesmo a cura do paciente. Sem contar que há um leque de fatores que podem levar uma pessoa a desenvolver a doença.

Como o número de casos da patologia no Brasil vem crescendo por conta do envelhecimento da população e dos casos de acidentes, seja de trânsito ou no trabalho, a conscientização sobre o processo de tratamento se faz ainda mais importante.

Isso porque, quanto mais rápido o quadro é diagnosticado, maiores são as chances de recuperação completa, como pontua Mário Soares, ortopedista especialista em infecção ortopédica, que atua há mais de 15 anos na área.

Vale pontuar que o processo de recuperação é multiprofissional. Para que haja, de fato, a cura, é necessário o trabalho de uma equipe composta por ortopedista qualificado, cirurgiões plásticos, enfermeiros e psicólogos.

Para trazer mais luz ao tema, o Metrópoles reuniu as dúvidas mais comuns sobre infecções ortopédicas em um bate-papo com o ortopedista Mário Soares.

Metrópoles: Quais fatores podem levar ao desenvolvimento de infecções ortopédicas?

Dr. Mário Soares: Normalmente, a infecção ortopédica está relacionada a algum procedimento cirúrgico, como de ligamento, colocação de uma prótese, fratura que demandou a colocação de placa, parafuso e haste, entre outros.

Isso porque uma falha nesse processo pode resultar na contaminação do osso, levando-o à necrose. A infecção subsequente origina tecido ósseo morto, que, por sua vez, pode gerar um novo foco infeccioso. Ou seja, é um ciclo nocivo de infecção. Tanto que a osteomielite nada mais é do que um osso morto, infectado ou colonizado por bactérias.

Então, há uma dor depois de uma cirurgia por conta do próprio procedimento, que tende a diminuir a intensidade até sumir completamente. Porém, a dor desses pacientes que desenvolvem uma infecção nunca passa, é constante e não está relacionada ao movimento, que é a principal sintomatologia que nós [médicos] suspeitamos ser uma infecção ortopédica.

Os principais agentes são bactérias. A principal delas é a staphylococcus aureus, que vive em todos nós, em uma colonização na própria pele. Por conta das cirurgias, e também decorrente de alguma questão imunológica, essa bactéria contamina a ferida do paciente.

Existem ainda outras situações, como pacientes que ficam muito tempo internados e as bactérias típicas de hospital acabam contaminando-os de alguma forma. Há ainda os casos de infecções por fungos.

M: Como identificar uma possível infecção ortopédica e quais são os sintomas típicos?

MS: O principal sintoma é a dor, que não precisa estar relacionada só ao movimento e é constante. A pessoa sente dor inclusive quando está dormindo ou parada. É comum pensar que, se não está saindo pus, não está infectado, mas não é bem assim.

Existem bactérias que produzem muito pus, vermelhidão, dor e inchaço. E há outras que não fazem isso, que apresentam menor virulência, mas infectam do mesmo jeito e vão causar dor. Ter essa consciência é importante, porque muita gente acredita que não está infectada, já que não apresenta sintomas exuberantes.

Outro sinal é a brusca mudança na rotina. Quando um paciente desenvolve essa infecção, a vida muda completamente, pois o impede de dormir, trabalhar e levar uma vida normal. Às vezes, há feridas com fístulas que exalam odor desagradável, secreções constantes ou curativos que sempre estão úmidos, além da dor intensa.

Além disso, esses pacientes veem os gastos aumentarem várias vezes. Frequentemente, precisam passar por várias cirurgias, sem obter resultados.

M: As infecções ortopédicas são mais recorrentes em quais regiões do corpo?

MS: As infecções podem ocorrer em qualquer parte do corpo, mas observamos uma prevalência maior de infecções nos membros inferiores, como nos joelhos e na tíbia, que é o osso mais frequentemente infectado.

Isso está relacionado à menor cobertura de partes moles nessa região. Se examinarmos a parte da frente da canela, veremos que a pele é fina, com pouca gordura, e podemos sentir o osso logo abaixo. Quanto mais desprotegidas são as estruturas, maior a chance de infecção.

Um tipo muito específico de infecção ortopédica é a pseudartrose. Nesse caso, o osso não se consolida após uma fratura. A principal causa de um osso não se consolidar é uma infecção. Às vezes, é difícil ter um diagnóstico porque o paciente não apresenta sintomas aparentes, como a vermelhidão.

M: O entendimento do paciente sobre sua condição é crucial para o sucesso do tratamento de infecções ortopédicas?

MS: A educação do paciente é o principal passo para conseguirmos a cura. Eu sempre digo que o meu trabalho é fazer o paciente entender que precisa sair daquela situação em que ele não sabe que está. A maioria não tem noção da gravidade do problema por vários motivos, até mesmo pela escassez de informações na própria internet.

Tanto que a função do meu canal no YouTube e dos conteúdos nas plataformas sociais é fomentar e fornecer ao paciente informações sobre a infecção ortopédica. É o maior canal que trata exclusivamente sobre esse assunto, em língua portuguesa.

A gente tem que lembrar que as infecções ortopédicas ocorrem em todas as classes sociais. E, em todos os cenários, elas são negligenciadas, em grande parte devido à falta de informações.

Quando o paciente tem informações sobre a patologia e entende que o tempo influencia o tratamento da doença, ele procura o auxílio e, normalmente, consegue ter bons resultados.

M: Como os médicos avaliam as infecções ortopédicas, levando em conta a distinção entre infecções agudas e crônicas?

MS: Há uma gama de fatores a serem analisados, mas temos que avaliar a saúde do paciente e levar em conta quando os sintomas começaram, o que pode caracterizar os quadros entre agudos e crônicos.

As infecções agudas estão relacionadas ao tempo, que é de aproximadamente duas semanas. Por exemplo, um paciente submetido a uma cirurgia de colocação de prótese tem duas semanas críticas, quando a bactéria ainda não formou um biofilme. Os sintomas são mais intensos com forte dor, formação de pus, febre e uma sensação de mal-estar acentuada.

Já a infecção crônica ocorre posteriormente. Nesse estágio, já há a presença do que chamamos de biofilme, que adere ao implante ou à prótese, criando uma estrutura semelhante a um tártaro, para garantir sua proteção. Ou seja, tanto o osso quanto os implantes ortopédicos já estão colonizados por bactérias, formando uma ligação que só pode ser removida por meio de cirurgia. Geralmente, os pacientes não apresentam sintomas tão evidentes, o que dificulta o diagnóstico.

Nos casos crônicos de próteses articulares, o organismo tenta combater o problema, o que resulta em alterações em estruturas ósseas e partes moles ou provoca a soltura dos implantes e, consequentemente, a instabilidade da prótese.

O único sinal que confirma a infecção é a fístula — que é uma ferida com secreção e pode ter aspecto de chocolate, leite condensado ou água.

Já o estado de saúde do paciente é dividido em três classificações. Tipo A, que são saudáveis e não têm comprometimentos sistêmicos; Tipo B, que possuem algum comprometimento sistêmico, como diabetes; e Tipo C, que estão clinicamente debilitados e não suportam um tratamento cirúrgico; então, não são candidatos viáveis para cirurgia e não há cura da doença.

M: Qual é o tratamento indicado para infecções ortopédicas?

MS: A cura para as infecções ortopédicas sempre envolve cirurgia, mas as abordagens variam de acordo com o quadro. Na fase aguda, o objetivo é salvar a vida do paciente e tentar preservar o implante ou a prótese. Já nos casos crônicos, não é possível salvar a cirurgia anterior. Somente em casos extremos, em que não há a possibilidade de controle ou reconstrução, a amputação é recomendada.

Quando não é viável a operação, há a opção de tratamento supressivo para manter as bactérias em controle. Mas, nesse cenário, o paciente terá que fazer o uso do medicamento de forma vitalícia.

Em um paralelo bem fácil de entender, o tratamento da infecção ortopédica é como se fosse uma cirurgia oncológica para tirar o tumor — que, nessa analogia, consiste na infecção. Após a cirurgia, em vez de quimioterapia, o tratamento ocorre mediante o uso do antibiótico.

Ou seja, no tratamento da infecção ortopédica há dois passos. Na primeira etapa, o cirurgião precisa remover todos os tecidos infectados e os implantes ortopédicos, que são as próteses, hastes, parafusos e cerclagem. Essa é a etapa mais complexa, mas primordial para a cura do paciente.

O próximo passo é a reconstrução, em que novos implantes são colocados, sejam próteses ou materiais de osteossíntese para fraturas, para obter o sucesso do procedimento e a função adequada do membro.

Mais de 90% dos meus pacientes passam por esse processo de remoção (desbridamento) e reconstrução em uma só cirurgia. Essa técnica é intitulada “Revisão de próteses articulares infectadas em estágio único”.

Recebi treinamento e certificação no local que criou essa técnica, há mais de 40 anos, na ENDO-Klinik de Hamburgo, Alemanha. Trouxe esse método para Brasília e aqui criei um centro para ajudar a vida de brasileiros de todos as regiões do país.

Eu tive um paciente que mora em Recife e precisou fazer 41 cirurgias sem sucesso, para tentar curar a infecção ortopédica, antes de iniciar o tratamento comigo. Foi um caso desafiador, mas conseguimos êxito com apenas uma operação. E o legal é que, no ano seguinte, quando veio a Brasília receber a alta, esse paciente fez o trajeto de moto como uma celebração.

A capital é reconhecida como um polo de tratamento a infecções ortopédicas devido à estrutura estabelecida na cidade, com os melhores materiais de implantes e próteses, equipe profissional e treinamento médico, com técnicas que ainda não são aplicadas em outras cidades brasileiras. Por isso, sempre recomendo que os pacientes venham ao meu consultório em Brasília para receber tratamento.

M: Como é o procedimento após a cirurgia?

MS: Os tratamentos após a cirurgia não são simples e exigem uma abordagem multidisciplinar, envolvendo uma equipe que inclui infectologistas, fisioterapeutas especializados, nutricionistas, enfermeiros e até psicólogos.

Na clínica Akhos, por exemplo, contamos com cirurgiões ortopedistas especializados em todas as áreas do corpo, com treinamento específico. Também tem um cirurgião plástico para reconstrução das partes moles, que é bastante desafiadora, mas extremamente importante.

A fisioterapia também desempenha um papel essencial, especialmente considerando que muitos pacientes apresentam limitações significativas de movimento devido a fibroses intensas ou articulações travadas.

Todos os casos são discutidos detalhadamente entre os membros da equipe para encontrar a melhor solução para cada situação. Também buscamos utilizar medicamentos menos agressivos aos pacientes, em colaboração com os farmacêuticos.

Dr. Mário Soares 

O ortopedista Mário Soares Jr. é especialista em infecção ortopédica, com títulos em cirurgia reconstrutiva de quadril e joelho na Universidade Federal do Paraná e em trauma ortopédico na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Também estudou infecção de próteses articulares na ENDO-KLINIK, em Hamburgo, na Alemanha.

Atuou também durante 14 anos no Hospital de Base do Distrito Federal, onde foi responsável por diversos casos complexos de infecções e foi chefe do serviço por dois anos.

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FONTE/CRÉDITOS: Hugo Barreto / Metrópoles
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